Segundo a opinião de Lilia Katri Moritz Schwarcz, só uma coisa não fez o grande monarca D. Pedro II, durante todo o seu feliz reinado: a barba. Aqui vale indagar sobre o que havia de tão significativo nas barbas do Imperador...
Ora bem, Dom Pedro II era uma personalidade nada convencional. Era um monarca tropical diferente dos brasileiros, mas dialogava com a ideia dos trópicos. O objetivo da minha pesquisa era entender por que uma monarquia cercada de repúblicas se enraizou no imaginário popular. Todos pensamos na eficácia do poder político, que se constrói por partidos, alianças. Eu queria entender como os elementos simbólicos eram fundamentais na urdidura da figura do poder político. E um dos elementos simbólicos mais fortes em Pedro II era a barba. E por quê? Pedro II foi criado para ser a contra-imagem do pai. Se o pai foi aventureiro, galante, Dom Pedro II seria o sábio, o mecenas, o idealizador desta nacionalidade.
Pela imagem que ficou, pensam que o nosso Imperador era o pai de Dom Pedro I. Isso é significativo. Dom Pedro I morreu novo, 35 anos. Mas Pedro II não nasceu velho. A construção de sua imagem foi selecionada para essa "senioridade". A barba era fundamental!. Quando foi casar, os conselheiros discutiam a falta de barba. E as primeiras imagens depois do casamento já o mostram barbado.
Na Guerra do Paraguai, as barbas tornaram-se brancas. Na última foto, ele faz questão de pentear a barba e apoiá-la sobre uma almofada, que não apareceu na foto, o que mostra uma intencionalidade.
Na minha interpretação, no início há uma espécie de manipulação. E não é à toa. Ele se torna rei aos 14 anos. O espetáculo da coroação encobre a idade. A partir de determinado momento, com 20 ou 25 anos, ele começa também a manipular. Acho que ele é manipulado e manipula. Há toda uma elite que o cerca que constrói cuidadosamente sua imagem. Tanto que houve um momento em que ele tirou o traje de majestade e vestiu-se como monarca cidadão. Querem mostrar que ele é um monarca constitucional. Ele diz: "Nós temos um Estado, mas não temos uma Nação. Quero construir essa Nação." E essa Nação é construída em torno da figura do rei, tendo ele como símbolo máximo.
Seria Dom Pedro II nossa primeira celebridade?
O historiador inglês Peter Burke defende que os monarcas foram os primeiros a fazer marketing pessoal. No Brasil, o primeiro a fazer marketing pessoal e político é dom Pedro II. Bem urdido, nos mínimos detalhes. Como exemplo temos o mito de Aueké, dos jês, que conta o nascimento de um garoto endiabrado, de quem a tribo tenta se livrar. Ele vira folhinha, vira rocha. No final, Aueké desaparece. Baixa uma maldição e eles se tornam nômades. Certo dia, os jês param numa fazenda. Costumo dizer que essa é a hora em que o mito encontra a história. A mãe de Aueké bate na porta e quem abre é Aueké, que não é Aueké, mas dom Pedro II, o pai de todos os brasileiros. É a construção do mito do monarca. A própria ideia de império é fruto de uma construção: José Bonifácio sugere que o rei se chame imperador, não só porque o território é grande, mas porque o povo conhecia o termo "império" por causa da festa do Divino.
__________________________________________________________________
-Lilia Katri Moritz Schwarcz, A autora ganhou dois prêmios Jabuti, por As Barbas do Imperador (1999) e pela organização de História da Vida Privada no Brasil (1998).
-Lilia Katri Moritz Schwarcz, A autora ganhou dois prêmios Jabuti, por As Barbas do Imperador (1999) e pela organização de História da Vida Privada no Brasil (1998).
Nenhum comentário:
Postar um comentário